Quando a sala de aula vira palco: as múltiplas versões do ser e fazer docente

Educador reinventou o ensino de marketing no audiovisual com a criação do “Programa do Pará”, uma experiência pedagógica que mescla entretenimento, engajamento e criatividade

Reportagem de Karina Tomelin publicada no site Ensino Superior

Educador reinventou o ensino de marketing no audiovisual com a criação do “Programa do Pará” (fotos: Guilherme Magrini (4o semestre cav)

Luís Fernando da Silva Júnior é conhecido na ESPM por seu apelido, Professor Pará, que surgiu na própria instituição, onde foi aluno. O apelido “pegou totalmente”, tanto que muitos nem sabem seu nome verdadeiro. Pará é paraense, veio de Belém para São Paulo para estudar. Sua paixão por audiovisual começou cedo, ainda na infância, quando se via como um “noveleiro”. Ele decidiu que queria trabalhar com isso e escolheu a comunicação e publicidade na ESPM. Seu pai impôs uma condição: estagiar por um ano em uma agência em Belém para confirmar seu desejo. Luís Fernando cumpriu a condição e, após mais de 30 anos, construiu sua história na cidade de São Paulo.

Sua entrada no mundo do audiovisual profissional se deu por meio de seu projeto de graduação. Ele desenvolveu um projeto de consultoria sobre a MTV Brasil, que havia sido lançada há pouco mais de três anos na época. Essa experiência foi a porta de entrada para trabalhar na MTV, que fazia parte do Grupo Abril. Trabalhou lá por cinco anos, saindo como gerente de programação de um canal de música country, e passou uma década na TV Cultura, onde gerenciou a área de marketing.

A docência surgiu de forma orgânica. Após cerca de 10 anos fora da faculdade, Pará sentiu a necessidade de “mais alguma coisa” e entrou em contato com um ex-professor que era diretor acadêmico da ESPM. O convite inicial foi para ser monitor voluntário de orientação de TCCs, o que ele considerou “super bacana” por permitir acompanhar projetos diversos e focar no planejamento, independentemente do assunto. Cerca de um ano e meio depois, surgiu uma vaga de professor, e ele foi convidado para continuar orientando TCCs em publicidade. Ao longo dos 22 anos de docência, ele também atuou como gestor da área de estúdios da ESPM por nove anos e, posteriormente, dedicou-se mais intensamente às disciplinas de audiovisual, como no curso de cinema e audiovisual.

A evolução do professor e o desafio do engajamento
Pará reconhece que sua jornada como docente foi se transformando ao longo dos anos. Para ele, ser professor hoje significa estar “muito atento a tudo que está acontecendo em volta” e ser capaz de “compartilhar conhecimento”. Ele compara a entrada em sala de aula a uma “atuação”, seja como uma peça de teatro ou um programa de televisão, exigindo uma “preparação prévia” intensa, que ele chama de “pré-produção”. Essa preparação inclui a organização de informações, a sequência didática e a escolha de dinâmicas que funcionem para diferentes turmas, pois o que faz sentido para uma pode não engajar outra. Tudo considerando a intencionalidade pedagógica da proposta e seu sentido para o aprendizado.

“Eu costumo brincar que, para entrar em sala de aula, a gente se prepara para uma atuação, seja encarar como uma peça de teatro, como um programa de televisão, seja lá o que for. Em cada aula que a gente entra, tem uma preparação prévia que temos que fazer, e que não é pouca. Você pode não estar num bom dia, mas tem que fazer funcionar do mesmo jeito. A turma pode não estar num bom dia, tem que conseguir fazer funcionar.”

Uma das maiores lições que a experiência como professor trouxe ao longo dos anos foi a destreza para lidar com o improviso e os imprevistos da sala de aula. Além de  considerar que estamos sempre ensinando para alunos que têm sempre a mesma faixa etária (17-20 anos), nós, professores, envelhecemos todo ano, e as referências de mundo também mudam.  “Eles não são os mesmos”, diz, enfatizando a necessidade de se manter atualizado, especialmente com a tecnologia.

Para o docente, a tecnologia não é uma inimiga, mas uma aliada. Em vez de proibir o uso de celulares, ele os integra à aula, utilizando cerca de três a quatro aplicativos em suas disciplinas. Cerca de um terço de seu plano de aula envolve alguma forma de interação tecnológica, buscando “trazer o estudante de volta” para a dinâmica da aula, mesmo que o celular esteja nas mãos deles. Ele entende que a tecnologia deve estar a serviço da lógica de contar histórias, não apenas ser dominada tecnicamente.

E com vocês… o “Programa do Pará”

 A grande inovação do Professor Pará é o “Programa do Pará”, uma das estratégias centrais em sua disciplina de marketing do audiovisual. O programa surgiu da necessidade de superar a resistência dos alunos em relação aos temas de negócios e marketing em um curso de audiovisual. A maioria dos estudantes de cinema e audiovisual sonha em ser diretores ou roteiristas, e poucos chegam pensando em negócios. A ideia é mostrar que arte e marketing podem ter muito em comum.

E como funciona? O “Programa do Pará” é uma aula estendida de três horas, geralmente na oitava ou nona semana do semestre, e atua como um “ponto de virada” na disciplina. Nasceu de uma experiência inicial “chata” ao tentar explicar o projeto integrado em 2019, que o levou a repensar a abordagem. A ideia de transformá-lo em um programa de auditório foi uma forma de engajar os alunos em um momento fundamental do semestre.

“O Programa do Para é um bom exemplo disso, de vencer barreiras. Ele tem um objetivo bem claro. Ele é uma aula”.

A concepção do programa foi em 2020, porém, foi marcada pela pandemia. O primeiro “Programa do Pará” estava pronto para ir ao ar em 20 de março de 2020, mas foi cancelado na hora devido ao fechamento da faculdade. Pará, então, reinventou-o para o formato online via Zoom, usando truques com câmeras e cenários caseiros, inclusive brincando com a lenda da “bermuda” por trás da bancada.Hoje, o programa é muito mais sofisticado, conta com a colaboração de outros professores e alunos de diversas disciplinas, como a eletiva de direção de arte, que ajuda na cenografia, figurino e iluminação. O elemento surpresa é fundamental, os alunos não sabem quando o programa acontecerá, nem que será o “Programa do Pará”. A entrada deles no estúdio já preparado, com luzes e música, é sempre um momento de grande impacto. O design do programa conta com vários quadros que incluem:

Show de calouros: para manter a vibração, os alunos são convidados a se apresentar. Faz referências a patrocinadores, que são elementos de mercado analisados posteriormente.
Entrevista no “Sofá da Hebe”: inspirado no famoso sofá, Pará entrevista o grupo de alunos que teve o melhor desempenho em exercícios anteriores. Isso funciona como um feedback público, onde os acertos são destacados e os demais alunos aprendem com as boas práticas.
“Parazetes e Parasitos”: alunos assistentes que ajudam a manter a energia alta, dançando e interagindo com a plateia durante as três horas de programa.
Pitching: o bloco final é a apresentação do Projeto Integrado (PG) dos alunos. Eles simulam uma situação de mercado, atuando como produtores que apresentam seus projetos a outros grupos, que assumem o papel de “exibidores” (Netflix, SBT etc., sorteados na hora). Essa dinâmica é um “divisor de águas”, que consegue “levantar a bola de novo” e manter o entusiasmo dos alunos pela disciplina.
“A gente retoma isso para revelar para eles coisas que, talvez, não tenham percebido do que existia de conteúdo dentro do programa, que parecia uma grande brincadeira, mas, na verdade, ele tem um conteúdo ali todo desenhado mesmo, que tá todo interagindo com o plano de aula”.

E para quem quer se inspirar na ideia do professor Pará
O educador enfatiza que a docência é um processo de aprendizado mútuo. Ele afirma que os professores “aprendem mais com os alunos do que os alunos com a gente”, pois trazem novas perspectivas, novidades e diferentes formas de olhar o mundo. Ser professor hoje é ter a “cabeça aberta” para receber informações de todas as fontes, inclusive dos próprios estudantes com quem se interage diariamente.

Para outros professores que desejam inovar, Pará oferece algumas dicas fundamentais:

Preparação é a chave: pensar o desenho da experiência, caprichar na “pré-produção” faz toda diferença. É possível criar experiências memoráveis que conectam e ampliam o desejo de aprender do estudante.
Conheça seu público: entender com quem se está falando e quais são suas resistências ou motivações é fundamental para adaptar a abordagem.
Tenha um propósito claro: pergunte-se “por que você vai fazer aquilo?”. A experiência deve ter uma razão pedagógica, não ser apenas uma brincadeira. Nem todo professor precisa fazer um programa de auditório, ser um showman ou showoman, existem várias experiências que podem ser incorporadas em uma aula e que possam fazer muito mais sentido ao perfil do professor e da disciplina.
A prática do professor Pará na ESPM mostra que a inovação na educação não é apenas sobre recursos, mas sobre coragem, criatividade e uma profunda intencionalidade pedagógica. Transformar a sala de aula em um show não é banalizar o ensino, mas construir um storytelling engajador que, do início ao fim do semestre, leva os alunos a uma jornada de descoberta e conexão com o aprendizado, provando que a sala de aula pode ser um espaço de diversão tanto para quem ensina quanto para quem aprende.

Por: Karina Tomelin | 29/09/2025

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